Poliomielite: meu bem, meu maior mal

paulohenrique

Bem, hoje escreverei algo um pouco diferente e além de ser algo que quase nunca tratei, apenas as marcas que ela me deixou. É algo que praticamente nasceu comigo. Vamos falar sobre a poliomielite. Interessante é que eu mesmo sei muito pouco sobre essa doença que me atingiu em cheio. Sim, mesmo eu com meus 50 anos de idade sei apenas o básico, a ponto de dizer que se trata de um vírus e que este tem seu objetivo de danificar os músculos do indivíduo que sobrevive, como eu.

Não tenho muitas lembranças. As poucas que tenho estão escritas em texto anteriores a este. Quem sabe um dia serão transformados em um obra literária para que vocês tenham a chance de me conhecer melhor. Vou expressar aqui o que vejo dessa doença. A mim, além de sua crueldade física, me deixou também sequelas emocionais. Nesse universo, a culpa talvez não seja apenas da polio, mas da prisão em que me deixou.

Existem tantas histórias que se passaram e hoje somente aceito uma. Não quero criticar as crenças e religiões que em minha adolescência e juventude vieram a mim como uma horda sedenta de sangue e me cercaram. Se me perguntarem hoje se tenho alguma religião respondo claramente que sou ecumênico. Muitos me questionam o que é isso. Jô Soares, que hoje deixa saudades de seu programa de entrevista, diz que ecumênicos são ateus enrustidos. Mas vou deixar uma verdade. Sim, eu creio em Cristo, realmente eu O respeito e tenho a certeza de que Ele, o filho de Deus e o Divino Espírito Santo existem e estão sempre presentes em nossas vidas, sendo apenas um.

Acreditem, amigos, eu mesmo vivo brigando com Deus, sim, muitas vezes. Como qualquer um que acredita que ao olhar para o alto está olhando para Deus, eu olho para o teto e o questiono. Porém, quando a calma vem em meu coração, vem aquele arrependimento de tê-lo olhado com furor e lhe peço perdão. Sim, tenho que respeitá-lo, pois para mim, sim, Ele é superior a tudo.

Muitas vezes, eu o interpreto como a natureza ou tudo o que nos cerca. Digo que tudo tem que ser da maneira que é. Porém, por sermos seres pensantes e falhos, temos a mania de querer criar as nossas próprias regras e, sem querer, grandes guerras.

Caramba, cheguei até aqui e quase nada foi escrito sobre a minha amada companheira que está sempre comigo. Suas lembranças são deveras doloridas. Nas tentativas de ir em busca de um pouco de liberdade, por mais que tentem me ofertar o conforto, a polio não gosta de se sentir rejeitada. Sempre, em algum ponto de meu corpo, dói.

Como eu poderia explicar com detalhes as inúmeras dificuldades que a paralisia infantil me traz? Tentem pelo básico. Vamos dizer que o homem, por milhares de séculos andando em solo pedregoso e as vezes macio na grama, passa por momentos difíceis quando caça. Com tecnologia de apenas pedras e poucas lanças de madeira como arma, esse ser caçador tem que estar atento a tudo o que lhe cerca. Sente algo no ar, pode ser que a caça esteja próxima. Qualquer ruído lhe permite o medo. Com sua coragem, ele observa ao longe um forte animal que também o considera seu alimento. Nessa disputa da cadeia alimentar, o caçador vence e leva comida para o seu próximo.

Eis que de repente a fraqueza lhe toma conta por algum motivo. Esse forte caçador não consegue ficar em pé. Algo o atingiu e esse minúsculo algo somente será descoberto milhares de anos depois. Seu corpo ardendo em febre o faz delirar. Sem saber o que fazer, seus companheiros curiosos quanto a situação cada vez mais vão se afastando daquele corpo inerte. Um novo líder toma o seu lugar e o abandonam por não ter mais valor. É esquecido. Não o alimentam. Todos os que um dia eram protegidos e alimentados por aquele caçador o abandonam dentro de uma caverna escura.

Seus ossos serão descobertos muitos e muitos anos depois. Talvez um dia realmente deva ter sido assim, mas, o que aqui escrevi, é apenas uma distante ideia de há quanto tempo a polio ou outras doenças permanecem entre nós.

Hoje acamado, não sinto tantas dores físicas como as que durante o tempo de minhas saídas me acompanhava de mãos dadas onde quer que eu estivesse.

Eu me rendi. O tempo me castigou. Pequenos obstáculos, pequenos do tamanho de um grão de areia, existiram, e de tão fraco que me considerei dei o meu basta.

Eram bons aqueles momentos distantes do hospital. Eu pude ver pessoas ao meu redor, sentir o calor do sol em minha pele e sentir que eu estava cercado de um imenso e lindo céu azul. Nas espessas nuvens, a sensação de um ar úmido indicava que a qualquer momento as gotas de uma gelada chuva iriam me abençoar.

Já não tenho mais esses privilégios. Tudo se foi de tanto as dores que me seguiam me obrigarem a ficar onde devo estar, em uma cama. A poliomielite me deixou em um corpo desforme, desconhecido até por alguns especialistas. Não dá para dizer ao certo se meus órgãos internos estão nos devidos lugares. Pode ser que meu fígado esteja fora de onde deveria estar. Meus pulmões, sofridos pelo tempo, tem cicatrizes permanentes e somente um deles tem sua boa funcionalidade.

Tentem fazer uma experiência. Quando estiverem deitados, finjam não conseguir mover seus membros superiores e inferiores. Olhem para suas mãos e tentem mover um dedo e de repente não conseguirem. Chega uma hora que o desespero lhe toma conta. Nessa hora, você se levanta rapidinho com medo de que seu cérebro lhe pregue uma peça.

Não estou escrevendo essas coisas para ser um torturador, jamais pensem isso, muito pelo contrário, quero alertá-los.

Hoje em dia, devido à tecnologia e à internet, que praticamente nos acompanha em qualquer lugar que a gente vá, milhares e milhares de informações circulam desenfreadas nas veias das redes mundiais de comunicação. Somos bombardeados por noticias 24 horas por dia e muitas dessas notícias merecem certo ceticismo. As chamadas “fake news” nos trazem matérias que geram grandes suspeitas e por estarem em uma rede sem controle acabam se espalhando para o mundo todo.

Recentemente, uma noticia sobre um surto de polio na Venezuela alertou as redes, juntamente com o fato de existirem famílias que não querem vacinar seus filhos, que teriam imunidade própria.

Isso foi rapidamente desmentido.

O fato é que, verdade ou não, é imprescindível o vacinar contra a poliomielite. Não devemos negar a principal lei que nos pertence, o direito à saúde e ao bem estar. No entanto, é de extrema importância que todas as crianças sejam vacinadas, não somente contra a polio, e sim contra muitas outras doenças.