Brincar de futebol em um hospital
Acredito que chegamos já na metade da temporada de uma das competições do esporte mais amada do mundo. Esses momentos esportivos são gostosos, mesmo que eu só tenha a oportunidade de assisti-los pela TV.
Em textos atrás, expressei meu pouco entusiasmo pela Copa de 2018 na Russia. Como não consegui assistir a cerimônia de abertura, achei que seria meio sem graça me envolver depois. Agora, deixando a frescura de lado, resolvi curtir esse momento mais do que encantador.
Tenho até uma certa fé de que conquistaremos o hexa, e assim poder esbanjar ao mundo que somos imbatíveis no quesito futebol e que ele faz parte de nossa alma brasileira.
Eu nunca encostei numa bola com meus pés por serem inertes devido a poliomielite, que quase me atingiu por completo. Lembro que quando eu era um garoto, mirrado e que andava na cadeira de rodas, às vezes via outras crianças jogando no corredor com uma bola antiga. Resolvi fazer uma pesquisa sobre a mesma e acabei me deparando com com ela: uma bola bem diferente das profissionais, mas muito disputada entre pequenos passos, até para não bater em portas ou quebrar algum vidro.
Mesmo eu não tendo condições de poder brincar, me disseram que eu poderia dar cabeçadas na bola quando a jogavam para mim. Aquilo era muito divertido e, como a bola era macia, eu pedia que jogassem com certa força. Como o teto do corredor era alto, quando lançavam a bola na minha direção, eu impulsionava o corpo todo para a frente e dava uma cabeçada forte para que a bola fosse longe. Isso despertava interesse em todos que estavam em minha volta e me colocava no lugar do goleiro durante as brincadeiras.
Eu gostava daquela brincadeira, mas nem sempre permitiam que eu e outras crianças brincássemos de futebol, já que ali era uma área de idas e vindas das auxiliares de enfermagem, médicos, enfermeiras e pacientes. Não era um estádio, era um hospital.
As vezes nossa vontade de brincar de futebol era tanta que, ao invés de jogarmos no corredor, decidíamos ir para o terraço. Porém, havia um agravante: quando lançavam a bola para mim, eu tentava ser cauteloso e certeiro nas cabeçadas para não rebater com muita força, mas nem sempre conseguia. A diversão era tanta que em certos momentos eu a lançava longe e, sem que o outro garoto pudesse pegar, a bola caia para fora do terraço, no sexto andar.
Quando isso acontecia tínhamos que pedir à tia que buscasse a bola para a gente, mas após uns 15 ou 30 minutos sempre aparecia um senhor perguntando de quem era a bola que caiu lá em baixo. Isso rendia para nós uma bronca da enfermeira, que não deixava que a gente jogasse mais.
Obrigados a abandonar a bola, a gente buscava outro meio de diversão, como carrinhos. No meu caso que não tinha como ficar no chão, eu ficava perambulando com minha cadeira de rodas pelo corredor do andar. Entrava em algum quarto, procurava um coleguinha para conversar, ou apenas me atentava à luz do sol, que em certos momentos vinha pela janela, atravessava o quarto e refletia na parede do corredor. Aquilo me fascinava!
O pouco que me envolvi com uma bola de futebol foi uma experiência tão gratificante. A cada lance com minha cabeça eu tinha vontade de ver o quão mais longe eu conseguiria arremessá-la.
Uma vez, acredito que em algum texto passado, eu tenha escrito sobre um amigo que por pouco tempo ficou com a gente. No entanto, foi um tempo suficiente para que formasse um grande envolvimento, como irmãos.
Domingos também nos acompanhava nessas brincadeiras. Quando chegou um novo garoto que era mais calado, que quase não conversava, as auxiliares de enfermagem pediram que Domingos brincasse com ele.
Ele então pegou a bola e jogou para esse garoto e o mesmo lhe devolveu. Umas três ou quatros vezes Domingos brincava com essa criança, até que chegou a mim e disse para eu tomar cuidado com ele. Eu questionei o porquê, mas invés de responder, meu amigo simplesmente jogou a bola em minha cabeça com toda sua força. A bola me atingiu de uma maneira ruim e, por um milagre, não quebrou meu nariz. A forte dor que senti quase me levou ao choro. Apesar disso, foi a bola mais longe que consegui arremessar.