Detalhes de Um Corpo Doente

paulohenrique

Bem, esses dias em que acordo cedo, meio dolorido pela cama que estou usando ser nova e o colchão caixa de ovo ainda ser duro. Dá um certo desconforto e insegurança. A cama anterior, infelizmente, deu algum problema em sua roda e, por não haver peças para manutenção, acho que precisou ser sucateada.

De qualquer forma, eu tinha mais tranquilidade com a outra cama do que essa que agora estou. A outra, o colchão, além de ser caixa de ovo, era mais largo, e eu me sentia mais seguro. Além de ficar anos deitado no mesmo colchão, esse acaba com o tempo, pegando sua forma. Isso é bom e ruim ao mesmo tempo, sendo que oferta mais maciez, assim meu cóccix não dói quando acordo cedo, e dá a sensação que você está meio afundando, sabe?

Existe tantos detalhes sobre minha situação física. Há sim o cansaço de estar tanto tempo deitado; você quer mudar, mas não tem ideia de como, pensa mil maneiras de como isso poderia ser de outra forma, mas não há como. Agora, por exemplo, enquanto escrevo, meu fêmur direito começa a ficar incomodado, e quando fica insuportável, paro tudo que estou fazendo e pressiono o botão do painel da cama para deitar o encosto e descansar um pouco.

Por falar em painel, o dessa cama nova tem me castigado bastante, pois fica muito embaixo, e meu braço atrofiado, que não estica, me obriga a fazer um grande esforço para alcançá-lo, às vezes, pedindo para quem está cuidando de mim me virar e me segurar virado, até que eu consiga ajeitar a cabeceira da maneira que esteja bom.

Como eu disse, existem detalhes que às vezes incomodam. Eu não tenho ideia de como é para vocês, se as sola de seus pés doem constantemente, se quando vocês se sentam ficam de certa maneira desconfortados, se na cama, por mais que estejam cansados a ponto de mal deitarem já dormem, mas existem dores. É bem diferente do que geralmente vivo.

Sabe? Vocês já devem ter visto que uso traqueostomia. Trata-se apenas de uma cânula de metal inserida em minha traqueia que se torna minha via respiratória e de onde, quando necessito, é inserida uma sonda para aspiração traqueal. Então, embora eu esteja com essa traqueostomia praticamente a vida toda, desde meus dois anos de vida, acho, eu costumo dizer que para mim que se tornou um piercing.

Porém, por mais acostumado que eu esteja, minha traqueia está deveras dolorida, e isso é muito ruim. Isso porque, recentemente, foi trocado o circuito do aparelho respiratório e o que a gente chama de circuito, são essas mangueiras ligadas ao aparelho e que no final são conectadas à minha cânula. O que acontece é que a mangueira que está na minha cânula é dura e pesada, assim, por mais que eu tente ajustar alguma posição para que não interfira tanto, não acho como, e isso torna-se irritante.

Estou aqui apenas compartilhando de meu estado físico, pois acho que seria interessante as pessoas refletirem como realmente é viver assim. Não que eu esteja reclamando, longe de mim isso, mas por mais que estes detalhes se mostrem presentes, tenho que ao menos mudar meu foco para, assim, poder escrever este texto por exemplo.

Não conheço nenhuma outra pessoa que compartilhe assim com detalhes essas marcas que fazem parte de suas vidas, digo, os que exigem de cuidados especiais. Vejam a Eliana por exemplo, por mais que eu não esteja em sua situação, posso ter uma breve ideia de suas necessidades e preocupações com seu corpo.

Ambos, acometidos pela Poliomielite, temos imenso medo de por quem e de qual forma devemos ser cuidados. Veja, nossos pés não têm apoio, as mãos da Eliana também, e assim, é de grande facilidade que, dependendo da maneira que formos manipulados, é muito fácil sofrermos uma luxação ou fratura e a primeira já é de extrema dor, imaginem então a segunda.

Eu mesmo já sofri com meus pés. Houve uma época que eu era bem magro e tive oportunidades de ficar sentado no banco da frente de um carro. Quando me tiravam da cadeira para ser sentado no banco da frente, meu pavor era quando os que tivessem me carregando, não suportando meu peso, de repente eu começar a ser apoiado em cima do meu próprio pé. Gente, tentem imaginar meu desespero. Isso que às vezes as pessoas, não entendendo o que estava acontecendo, vendo minha feição de pavor, não sabiam o que fazer.

Uma vez, aconteceu isso com minha irmãzinha Eliana, mas, ao invés de ter sido seus pés, foi uma de suas mãos. Era hora do banho e uma das técnicas de enfermagem, que ao mesmo tempo que estava lhe dando banho, estava entretida em uma conversa com uma de suas colegas. De repente, percebo que a Eliana pede para que tome cuidado com seus dedos, que infelizmente a Polio os deixou sequelados, e a profissional de saúde, não prestando atenção no que a Eliana estava dizendo, começou a esticar os seus dedos, provocando muita dor e choro na Eliana. Quando eu vi isso, gritei para a técnica que estava cuidando dela, quando, de repente, ela percebeu o que estava fazendo, parou na hora e pediu desculpas para a Lica.

Pois é, detalhes de nossas vidas. Às vezes, me pego olhando uma foto autografada do astronauta brasileiro Marcos Pontes e lhe digo em pensamento: “pois é amigo, é duro depender das pessoas fisicamente. Assim são os pequenos detalhes de um corpo doente.