Muito Obrigado, Andy Serkis
Quinta-feira à tarde assisti a um filme que me deixou muito pensativo. Bem, eu soube desse filme no ano passado. Não me lembro como, mas acredito que estava em minhas passagens pelas redes sociais, e o tema me chamou muita atenção.
É incrível o que o ator, e agora diretor, que quase não se mostra diante das câmeras –aparece atrás de um avatar virtualmente renderizado por computação gráfica–, faz desse filme. Mantenho um certo mistério justamente para, antes de dizer o nome, compartilhar um pouco como é realmente incrível a indústria do cinema.
Bem, conhecemos muito desse diretor na voz rouca e um pouco aguda do personagem Gollum ou Smeagol de “O Senhor dos Anéis”. Agora mais ainda na pele de César, o macaco principal da trilogia “Planeta dos Macacos”, entre muitos outros personagens que nos impressionaram.
Fiquei surpreso de o diretor desse filme ser o mestre da atuação corporal diante da tecnologia de captura de movimento, Andy Serkis.
Nossa! Quando pesquisei sobre o filme “Uma Razão Para Viver” fiquei surpreso por ele ser o diretor. Jamais duvidei de qualquer um que esteja envolvido com a sétima arte, independente de sua carreira, mas esse filme merece cinco estrelas, deixando claro que não sou nenhum crítico e tenho certeza que estes excelentes mestres devem estar torcendo o nariz por minhas considerações.
Olha, teve um crítico, cujo nome não me recordo, que foi de uma certa maneira rude em sua crítica sobre o filme “As Sessões”, dirigido por Ben Lewin e que teve a chance de concorrer ao Oscar de melhor atriz coadjuvante pela atuação de Helen Hunt. Ele disse que não adianta a academia cinematográfica fazer filmes sobre deficientes, porque não cola.
Mas, para mim, “As Sessões” foi excelente. Ele mostra que nós, poliomielíticos, não temos nada de diferente e que são justamente nossas dificuldades que nos levam a querer viver, realizar nossos sonhos.
Bem, como eu havia dito, assistir “Uma Razão Para Viver” me deixou muito pensativo. Trata-se da história real de Robin Cavendish, vivido pelo ator Andrew Garfield, que é acometido pelo vírus da pólio, na década de 1960, quando já era adulto.
A doença o deixou completamente paralisado, nem o pescoço ele movimentava. Ficou dependente de um aparelho de respiração artificial, cujo modelo usado no filme nunca passou pela minha frente –e olha que eu vim para cá com um ano e meio, em 1969. Já vi muitos ventiladores e o mais antigo que conheço, o Bird, ainda está em uso, uma caixinha verde transparente.
Andy Serkis expôs grandes detalhes nesse filme. Um deles é quando a enfermeira, daquelas que usam chapeuzinhos antigos –e acreditem, quando vim para cá, essa moda existia mesmo– aspira Cavendish. Surpreendeu-me ela usar uma sonda antiga de um material que eu detestava ser aspirado, porque doía. Era feita de borracha de cor marrom quase vermelho. O único erro nessa cena é que a enfermeira o aspirava sem luvas. Quer dizer, introduzindo uma sonda contaminada ao paciente e se contaminando, pois assim que a sonda entra, ela sai melecada de catarro.
Outro momento que me fez refletir é quando Cavendish tem a oportunidade de sair do hospital. Naquela época, pouco se conhecia sobre a pólio e, com certeza, os cuidados eram bem mais rígidos a ponto de o diretor do hospital declarar a esposa do paciente que era impossível ele viver fora da área hospitalar. E mesmo assim, algo que duvido muito que realmente tenha acontecido, foi uma fuga preparada por sua esposa com o envolvendo de um médico.
Em sua casa, Cavendish tem um amigo, acredito que era um engenheiro, que lhe faz uma cadeira de rodas que suportava o aparelho respiratório e uma bateria de três horas. Assim, ele foi levado ao hospital em que esteve internado para visitar outros pacientes que tiveram pólio e mostrar que tudo é possível. Porém, o mesmo diretor que falou sobre o risco de morte a sua esposa, ao invés de mostrar-se surpreso com o grande avanço, chama a atenção do médico que ajudara Cavendish em sua fuga, dizendo não aprovar a permissão dada para ele entrar uma cadeira, pois não é para dar falsas esperanças aos enfermos que ali estavam internados.
Também me chamou a atenção a ida de Cavendish para a Alemanha. A vida aqui me mostrou o país como um pioneiro em aparelhos dispositivos para a saúde. Aliás, em um texto antigo eu contei sobre o aparelho que usavam em mim, em Eliana e em nossos colegas já falecidos, o Tussomat, um aparelho alemão. Hoje, somos usuários de um aparelho de respiração artificial chamado Carina, que é da fabricante Dräger, também uma empresa alemã.
Cavendish foi, então, levado até um dos maiores hospitais da Alemanha, numa cena muito expressiva e marcante. Ele é levado ao local onde vários pacientes estavam vivendo em aparelhos chamados pulmão de aço, e esses o observavam através dos espelhos desses aparelhos. Seus olhares são, ao mesmo tempo, de surpresa e de choque com suas realidades. Em instantes, Cavendish é solicitado a sair, o que entendi como uma forma de não despertar certos desejos.
Tem um último detalhe que também me chamou muita atenção, apesar de achar que foi um pouco mal feito. Se Serkis perguntasse a mim e a Eliana como teria que ser essa cena, nós o ensinaríamos com perfeição, pois foi algo que ocorreu em nossas vidas.
No momento em que Cavendish começa a passar mal, sai muito sangue de sua traqueostomia. Nós dois aqui usamos traqueo, e quando estamos com muito catarro acumulado em nossas traqueias uma parte acaba saindo para fora, mas não da maneira exagerada como se fosse uma artéria cortada, como mostra no filme.
Tínhamos um amiguinho, o Anderson, que muitas vezes ia para casa e voltava para o hospital completamente adoecido. Seu catarro mostrava claramente sinais de forte infecção, não era claro como o nosso, era marrom escuro. Esse filme mostrou essa situação, que nos tirou não somente o Anderson mas também outros quatro irmãos nossos.
Muito obrigado Andy Serkis por dirigir uma obra com que eu e Eliana nos identificamos muito. Muito obrigado por fazer um filme maravilhoso. Recomendarei a todos os meus amigos e a quem quer que seja que assista a essa grande maravilha.