Tudo que sei veio de alguém, um médico
Sempre fui em busca de explicações praticamente sobre tudo que nos cerca. Desde do que a água é feita, até da razão de existirmos.
É mais do que natural que, quando começamos a entender o mundo ao nosso redor, as questões explodem de maneira grotesca em nossas mentes que nem sequer damos a chance de fazer cada pergunta por vez.
Posso muito bem dizer que morar em um hospital me ofertou certa sorte, de encontrar médicos que, além de dedicarem completo cuidado, também foram responsáveis por boa parte de meu conhecimento.
Aos 14 anos, li por mais de cinco vezes um livro cujo nome também é de uma música clássica. Durante toda minha vida, raramente essa música tocava –e quando no rádio ou na TV a melodia soava, me tirava toda a atenção para apreciar as vibrações harmoniosas desse poema sinfônico, composto por Richard Strauss em 1896.
Na verdade, poucos conhecem essa obra por completo, mas seu início expressa a capacidade humana de buscar o desconhecido. Por conta disso, é o tema principal do filme 2001, “Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, obra cinematográfica excepcional de 1968.
Richard Strauss (1864-1949) compôs esta obra maravilhosa, que leva o mesmo nome, baseada no livro “Also Sprach Zarathustra”, ou “Assim Falou Zaratustra”, escrito pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Como eu havia dito antes, li este livro mais de cinco vezes –tanto que, até hoje, lembro de um trecho claramente, onde Zaratustra diz: “Gosto de pessoas, que são como pesadas gotas, que cai das espessas nuvens, anunciando a chegada do trovão”.
Lembro até que, na época, havia a visita de padres, vindo do serviço religioso do hospital. Alguns desses não gostavam do teor do livro que eu lia. Ao invés de estar interessado nos gibis da Disney ou Marvel, eu dava minha total atenção a algo muito complexo –e quando cheguei à conclusão do que eu estava lendo, na última vez que, mergulhado na filosofia de Nietzsche, desisti sem terminar.
A hipnose que a música provocava em mim fez buscar informações que somente uma pessoa pode me dar, um médico que, para mim, foi alguém de extremo conhecimento sobre tudo que uma pessoa pudesse ter, médico este o qual devo todo o meu conhecimento e agradecimento.
Quando vim para cá, Dr. José Maria já trabalhava aqui, era médico pediatra. Ele sempre esteve presente em todo o instante. Em algum momento, diziam que ele, além de médico, fora um pianista. Salvou-me várias vezes de crises respiratórias. Foi ele quem me direcionou ao excelente gosto musical.
Vivia dizendo sobre grandes compositores clássicos e suas obras; dos estudos de Chopin até a surdez de Beethoven, era mágico ouvir dele histórias reais desses mestres da música clássica. Em certos momento, ele gravava em fitas cassete um disco de sua coleção e, em um gravador antigo, eu passava horas acompanhado dos acordes musicais, unidos aos sons de respiração dos aparelhos respiratórios da época.
Com o avanço da tecnologia, surgiu o Compact Disc, sendo assim, Dr. José Maria pegou toda sua coleção de vinil e a doou para mim. Grandes e excelentes obras do selo Deutsche Grammophon chegaram em minhas mãos, as quais me dói intensamente doar para outros. Inclusive, Dr. José Maria me deu de presente em um dos meus aniversários o vinil de Richard Strauss, com essa música que até hoje me fascina.
Com sua paterna presença, muitas das vezes, quando eu tinha uma curiosidade sempre consultava o Dr. José Maria, a quem chamava por “tio”. “Tio, por quê a Terra gira?”, “Por que houve a Segunda Guerra Mundial?”, “Quem foi Hitler?”, “Tchaikovsky nasceu onde? E Beethoven?”, “Como se chamavam os três astronautas que foram à Lua?” e muitas outras perguntas
dignamente respondidas.
Dentre estas questões e muitas outras, estão guardadas em minha mente, respondidas, muito mais do que as melhores enciclopédias que existiram na época e as que existem hoje.
Quando eu era garoto, tínhamos a chance de jogarmos estes jogos de tabuleiro, com outros médicos ou auxiliares. Um desses jogos, chamado Master, era de perguntas e respostas. Era muito divertido passar o tempo jogando . Mas, quando em nossa diversão, Dr. José Maria entrava para ver o que estávamos fazendo, a brincadeira tinha que ser interrompida, pois ele sabia as respostas de todas as perguntas.
Uma das coisas que o fascinavam era a tecnologia. Era incrível para ele ver nas TVs antigas imagens perfeitas, sem aqueles “fantasmas” nas transmissões analógicas, cada vez mais sendo desativadas. Eu queria muito poder hoje mostrar a ele como é o HD, assistir a filmes como “E o Vento Levou”, de 1939. Sobre a qualidade das cores, ele dizia que era um processo criado em
1916, chamado Technicolor. Segundo ele, esse processo permitia que as cores fossem mais reais e não se alterava conforme o tempo. Aliás, eu tenho este filme em Blu-Ray, que ganhei dos diretores daqui do hospital em um dos meus aniversários.
Dr. José Maria era uma pessoa muito especial; hoje só há saudades de sua companhia. Nas suas tardes de plantão, quando estava tranqüilo, ele entrava em nosso quarto para ver o que eu e
meus outros amiguinhos estávamos fazendo. Hoje, somente há eu e a minha muito amada irmãzinha Eliana –que me faz companhia a todo instante.
Era bom olhar para a janela em dias de tarde ensolarada e para céu lindo azul. Também dava para ver a lua, efeito fascinante que somente na explicação do Dr. José Maria ficava mais encantador, de conhecer nosso universo, nosso infinito e misterioso universo.
Neste momento, tenho imagens de Buzz Aldrin, Michael Collins e Neil Armstrong, astronautas da missão Apolo 11, com destino à Lua, quando eu estava com um ano e meio, abrindo meus olhos, de madrugada, ambiente escuro, iluminado por uma TV em preto e branco. “That’s one small step for a man; one giant leap for mankind.”